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Acidente Vascular Cerebral | Para quanto reduzir a pressão arterial em um evento de AVC

Algumas vezes a vida nos trás uma surpresa negativa, com amigos jovens tendo um Acidente Vascular Cerebral. E ai o amigo pergunta se tem que tratar ou não a pressão arterial, visto que temos dois tipos completamente diferentes de AVC, o Acidente Vascular Encefálico Hemorrágico e o Acidente Vascular Encefálico Isquêmico.

E se tiver que tratar, quando começar? Quais o níveis atingir? Qual anti-hipertensivo escolher? Todas perguntas que envolvem nuancias que veremos a seguir.

O que está em jogo nesse caso, por exemplo, no AVC isquêmico, é que normalmente, independente da pessoa ser hipertenso ou não, o organismo vai reagir, aumentando a pressão arterial, como uma reação para manter o fluxo sanguíneo para a região cerebral que teve a lesão isquêmica. E no caso do médico, se age abaixando demais a pressão arterial, pode inclusive, piorar a área isquêmica, piorando ainda mais os danos cerebrais.

Nesse caso, especialmente por ser um amigo, vou checar a literatura médica, tanto pegando referências na Diretriz Brasileira de Hipertensão e o uptodate.

Vou começar separando a fase aguda em AVC hemorrágico e AVC isquêmico. Vamos olhar com detalhes o que fala a Diretriz Brasileira:

Acidente Vascular Encefálico Hemorrágico (AVEH)

O AVEH, uma forma comum de lesão vascular cerebral, é frequentemente causado pela HA. É uma das principais causas de morte e incapacidade em pacientes com HA.

Manejo da Pressão Arterial:

  • Não se recomenda a redução imediata da PA em casos de AVEH, exceto se a pressão arterial sistólica (PAS) estiver acima de 220 mmHg.
  • Porém se a pressão está acima de 220 mmHg, existe uma correlação entre o aumento da PA e a probabilidade de expansão do hematoma, o que pode levar a um aumento do risco de morte e um pior prognóstico.

Acidente Vascular Encefálico Isquêmico (AVEI)

Considerações sobre a PA:

  • Em casos de AVEI, os benefícios da redução da PA são menos evidentes. No entanto, é importante considerar a PA em pacientes que são elegíveis para trombólise, um tratamento para dissolver coágulos sanguíneos.
  • Se a PA estiver acima de 180/105 mmHg, há maior risco de hemorragias durante a trombólise.
  • Uma metanálise sugere que a redução da PA no AVEI pode ter um efeito neutro na mortalidade.

Diretrizes para Manejo de AVE Agudo e Doença Cerebrovascular

  • O Quadro 10.2, baseado nas Diretrizes da ESC e ESH, fornece orientações detalhadas para a meta e tratamento da PA em pacientes com AVE agudo e doença cerebrovascular.

Vou tentar detalhar a parte das recomendações do AVC isquêmico:

Meta de PAS Após o Evento:

  • A meta para a PAS, após o evento, é mantê-la entre 120-130 mmHg. Esta abordagem tem como objetivo minimizar o risco de recorrência de eventos vasculares e é sustentada por evidências de nível A, indicando um alto grau de confiabilidade nas recomendações.

Para prevenção de novo evento, ou seja, prevenção secundária, recomenda-se para manter a pressão arterial dentro da meta, e talvez, o uso de uma combinação entre bloqueadores do sistema renina-angiotensina + um segundo anti-hipertensivo que veremos a seguir.

Os bloqueadores do sistema renina-angiotensina são uma classe de medicamentos usados para tratar a hipertensão e outras condições relacionadas ao coração e vasos sanguíneos. Eles atuam interferindo no sistema renina-angiotensina, que é um dos mecanismos reguladores da pressão arterial do corpo.

Aqui estão alguns exemplos desses medicamentos:

Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECA):

  • Lisinopril

  • Ramipril

  • Perindopril
Estes medicamentos ajudam a relaxar os vasos sanguíneos, melhorando o fluxo sanguíneo e reduzindo a carga de trabalho do coração.

Bloqueadores dos Receptores de Angiotensina II (BRA):

  • Valsartan

  • Olmesartana

  • Candesartan

  • Irbesartan

  • Telmisartan

Eles funcionam bloqueando a ação da angiotensina II, um potente vasoconstritor, resultando em vasodilatação e redução da pressão arterial.

Além de um dos remédios listados acima, recomenda-se de acordo com a tolerância e necessidade individual um segundo anti-hipertensivo que pode ser um bloqueador de canal de cálcio ou um diurético.


Manejo da Pressão Arterial segundo o Uptodate

Conforme vimos anteriormente, a Diretriz Brasileira de Hipertensão trás poucos detalhes sobre o manejo da pressão arterial após o AVC. Eles até sugerem algumas classes de medicamentos, mas não entram em muitos detalhes. Dessa forma, achei importante, checar o que o Uptodate recomenda para esses casos.

Vou trazer um resumo para nos ajudar.

Início ou Reinício da Terapia Anti-hipertensiva Após AVC ou AIT

A decisão de quando iniciar ou reiniciar o tratamento anti-hipertensivo em pacientes hipertensos que sofreram um acidente vascular cerebral (AVC) ou ataque isquêmico transitório (AIT) depende de diversos fatores. Vamos explorar esses aspectos em dois tópicos principais:

1. Fatores Determinantes para Início da Terapia

  • Mecanismo do AVC: A abordagem pode variar se o AVC foi isquêmico ou hemorrágico.
  • Estabilidade Neurológica: O estado neurológico do paciente influencia a decisão.
  • Problemas Médicos Comórbidos: Outras condições médicas do paciente também são consideradas.

2. Pacientes com AVC Isquêmico

  • Hipertensão Permissiva: Durante as primeiras 24 a 48 horas após um AVC isquêmico (fase aguda), pressões arteriais elevadas são geralmente toleradas. Essa “hipertensão permissiva” visa teoricamente aumentar o fluxo sanguíneo cerebral e reduzir a expansão do núcleo do infarto isquêmico.
  • Exceções para Tratamento:
    • Hipertensão extrema (>220/120 mmHg).
    • Insuficiência de órgãos relacionada à hipertensão aguda (exemplo: cardíaca).
    • Doença coronariana isquêmica ativa.
    • Dissecção aórtica aguda.
    • Pré-eclâmpsia/eclâmpsia.
    • Pacientes candidatos a terapia de reperfusão com hipertensão persistente maior que 185/110 mmHg.

Abordagem Após o Período Agudo

  • Pacientes Estáveis ou em Melhora Neurológica:
    • Iniciar ou reiniciar terapia anti-hipertensiva 24 a 48 horas após o início do AVC isquêmico, durante a hospitalização, se o paciente puder ingerir medicações oralmente ou por sonda.
  • Pacientes com Instabilidade Neurológica:
    • Adiar o início ou reinício da terapia anti-hipertensiva até que os déficits relacionados ao AVC se estabilizem ou atinjam seu pior momento, pois a redução da pressão arterial pode induzir sintomas isquêmicos.

Essas diretrizes são cruciais para o manejo cuidadoso da hipertensão em pacientes após um AVC ou AIT, equilibrando a necessidade de controlar a pressão arterial com o risco de exacerbar o dano neurológico. É essencial uma avaliação individualizada baseada no estado clínico do paciente.

Gerenciamento Após a Fase Aguda do AVC

Seleção de Medicamentos Anti-hipertensivos de Longo Prazo

A terapia anti-hipertensiva em pacientes com histórico de AVC ou ataque isquêmico transitório (AIT) é fundamental para prevenir futuros AVCs e mortes cardiovasculares. A escolha do medicamento é similar àquela para outros pacientes hipertensos:

  1. Monoterapia:
    • Recomendada quando a pressão arterial está <20/10 mmHg acima da meta.
    • Grandes estudos de prevenção secundária de AVC examinaram os efeitos de inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) e diuréticos. Não há evidências convincentes que favoreçam uma classe de drogas anti-hipertensivas sobre outras para prevenção secundária.
    • IECA, BRA, bloqueadores dos canais de cálcio e diuréticos são todas opções razoáveis para monoterapia anti-hipertensiva inicial.
    Nota: Há evidências de que os betabloqueadores podem não reduzir o risco de AVC comparados a inibidores da angiotensina, bloqueadores dos canais de cálcio e, em alguns estudos, placebo. Portanto, a menos que haja indicação específica, betabloqueadores não devem ser usados como monoterapia para prevenção de AVC recorrente.
  2. Terapia Combinada:
    • Recomendada quando a pressão arterial está ≥20/10 mmHg acima da meta.
    • A combinação de um inibidor da angiotensina com um bloqueador dos canais de cálcio diidropiridínico de ação prolongada é aconselhada para pacientes que devem iniciar a terapia com dois agentes.
    • Esta abordagem é consistente com as recomendações para outros pacientes hipertensos que não tiveram AVC ou AIT.

Eficácia da Terapia Anti-hipertensiva

  • Uma metanálise de oito ensaios clínicos com mais de 35.000 pacientes com histórico prévio de AVC ou AIT mostrou que a terapia anti-hipertensiva reduziu a taxa de AVC (8,7% versus 10,1%) e morte cardiovascular (4,0% versus 4,7%). Houve também uma incidência menor, embora não significativa, de eventos cardiovasculares adversos maiores (13,6% versus 15,1%).
  • Os maiores estudos incluídos nesta metanálise (estudos PROGRESS, PRoFESS e PATS) examinaram IECA, BRA e diuréticos; assim, muitos especialistas e as diretrizes de 2017 do American College of Cardiology (ACC)/American Heart Association (AHA) recomendam IECA e diuréticos para pacientes com histórico prévio de AVC ou AIT. Em várias metanálises, no entanto, os efeitos dos bloqueadores dos canais de cálcio não foram estatisticamente diferentes daqueles dos inibidores da angiotensina e diuréticos. Além disso, entre os pacientes que requerem dois agentes anti-hipertensivos, a combinação ideal é um bloqueador dos canais de cálcio com um IECA (ou BRA).

Essas diretrizes destacam a importância da seleção cuidadosa de medicamentos anti-hipertensivos para pacientes após a fase aguda de um AVC, considerando tanto a eficácia na prevenção de eventos futuros quanto a tolerabilidade e as condições individuais do paciente.


Rapidez na Atingimento da Meta de Pressão Arterial

A redução gradual da pressão arterial é uma estratégia importante em pacientes com doença cerebrovascular conhecida ou hipertensão descontrolada de longa duração, exceto em casos de emergência hipertensiva. Vamos explorar esse conceito em detalhes:

Redução Gradual da Pressão Arterial

  • Recomendação: A redução gradual da pressão arterial é aconselhada, por exemplo, aproximadamente 10% por dia, embora não haja um consenso sobre a definição exata de “redução gradual”.
  • Objetivo: Esta abordagem visa minimizar os riscos associados à diminuição rápida da pressão arterial.

Resposta Normal à Redução Aguda da Pressão Arterial

  • Mecanismo de Autoregulação: Normalmente, quando há uma redução na pressão arterial, o corpo responde através da vasodilatação precapilar autoregulatória para manter a perfusão tecidual.
  • Equação de Fluxo: O fluxo é igual à pressão dividida pela resistência, então, reduções paralelas em ambos os parâmetros permitem a manutenção do fluxo.

Impacto da Hipertensão Crônica

  • Espessamento Arteriolar: A hipertensão persistente leva ao espessamento das arteríolas. Isso é uma adaptação para evitar que o aumento da pressão seja transmitido à circulação capilar.
  • Limitação da Capacidade de Perfusão: O espessamento arteriolar pode limitar a habilidade de manter a perfusão quando a pressão arterial é reduzida com terapia anti-hipertensiva, já que a resposta vasodilatadora é frequentemente prejudicada.
  • Limite Inferior da Pressão Arterial para Perfusão Cerebral: Em hipertensos, o limite inferior de pressão arterial para manter a perfusão cerebral é mais alto do que em normotensos.

Redução Aguda da Pressão Arterial e Sintomas Isquêmicos

  • Risco de Sintomas Isquêmicos: Geralmente, os sintomas isquêmicos são improváveis, a menos que a pressão arterial seja reduzida agudamente em mais de 25% abaixo do nível basal.
  • Tolerabilidade da Redução Gradual: Uma redução gradual da pressão arterial de aproximadamente 10% por dia é geralmente bem tolerada.

Monitoramento da Pressão Arterial em Casa

  • Ferramenta de Auxílio: O monitoramento da pressão arterial em casa pode auxiliar na redução gradual e segura da pressão arterial.

Esta abordagem enfatiza a importância de uma redução cuidadosa e controlada da pressão arterial em pacientes com hipertensão crônica ou doença cerebrovascular, visando minimizar o risco de comprometimento da perfusão tecidual, especialmente cerebral.


Recomendações de Outras Organizações para Prevenção de AVC Recorrente e AIT

Vamos explorar as diretrizes emitidas em 2021 pela American Stroke Association (ASA) e American Heart Association (AHA) sobre a prevenção de AVC recorrente e ataque isquêmico transitório (AIT), bem como as diretrizes de 2022 para pacientes com hemorragia intracerebral (ICH).

Diretrizes da ASA/AHA para AVC Isquêmico e AIT (2021)

  1. Início da Terapia de Pressão Arterial:
    • Pacientes não tratados anteriormente com AVC isquêmico ou AIT e com pressão arterial estabelecida de ≥130 mmHg sistólica ou ≥80 mmHg diastólica, após os primeiros dias (pois a pressão arterial é tipicamente elevada acima da linha de base na apresentação), devem iniciar a terapia de pressão arterial.
  2. Retomada da Terapia de Pressão Arterial:
    • Pacientes previamente tratados com hipertensão conhecida devem retomar a terapia de pressão arterial para prevenção de AVC recorrente e outros eventos vasculares, desde que estejam além dos primeiros três dias após o início do AVC ou AIT.
  3. Meta de Pressão Arterial Sugerida:
    • Uma pressão arterial alvo de <130/<80 mmHg é considerada razoável para a prevenção secundária de AVC em todos os pacientes.
    • Diretrizes europeias, canadenses e asiáticas de prevenção secundária de AVC têm metas de pressão arterial semelhantes às dos Estados Unidos.

Diretrizes da AHA/ASA para Hemorragia Intracerebral (ICH) (2022)

  • Para pacientes com ICH, as diretrizes sugerem uma meta de pressão arterial de <130 mmHg sistólica e <80 mmHg diastólica.

Concordância e Nuances na Abordagem

  • Embora estas recomendações sejam amplamente aceitas, a abordagem para a meta de pressão arterial pode ser mais matizada, considerando as condições individuais de cada paciente e os fatores de risco específicos.

Essas diretrizes refletem um consenso crescente sobre a importância do controle rigoroso da pressão arterial na prevenção secundária de eventos cerebrovasculares, tanto para AVC isquêmico quanto para ICH. É crucial uma avaliação cuidadosa e personalizada para garantir o melhor resultado possível para cada paciente.


Referências:

Acesse a diretriz completa para informações mais detalhadas: Diretriz de HAS 2020 – SBC. Este recurso é essencial para profissionais de saúde que buscam uma abordagem baseada em evidências no tratamento da hipertensão e suas complicações.

UpToDate – Artigos sobre o Gerenciamento de Pressão Arterial Após AVC e AIT: UpToDate oferece informações médicas atualizadas e baseadas em evidências, incluindo recomendações sobre o tratamento de pacientes com histórico de AVC ou AIT.

  • Fonte: UpToDate

Clínica EndoCárdio

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